quinta-feira, 17 de junho de 2021

Elias Santana - crase

 CRASE


I - CONCEITO




Por hora, fiquemos com este conceito:


Crase é a fusão, a sobreposição de dois as, comumente preposição e artigo feminino.


a + a (s) = à(s)




Nota:


Para melhor compreensão deste assunto, é conveniente revisar os conceitos de artigo e preposição, os quais se encontram no capítulo da MORFOLOGIA (classes gramaticais).




II - CASOS EM QUE NÃO EXISTE ARTIGO, SENDO O “ A” APENAS PREPOSIÇÃO




1. Antes de palavra masculina:


Voltamos a pé.


O artigo feminino não pode estar antes de palavra masculina, pois o artigo masculino é o.




2. Antes de artigo indefinido (um, uma):


Entregou-se a uma pessoa leviana.


Não pode haver, diante de um substantivo, ao mesmo tempo, um artigo definido (a) e um indefinido (uma).




Observações:


Antes de uma poderá haver crase em duas hipóteses:


a) quando “uma” for numeral, caso em que é possível substituí-lo por “duas”:


Ele chegou à uma hora.


Ele chegou às duas horas.


b) na expressão à uma, significando “ao mesmo tempo”:


Todos à uma começaram a vaiar.




3. Antes de verbo:


Limita-se a cantar sambas.




Pode-se usar artigo antes de verbo (quando for substantivo), mas esse artigo será o masculino (Gosto de ouvir o cantar dos pássaros), nunca o feminino. Verbos não possuem flexão de gênero (exceto no particípio da voz passiva), apenas de número, pessoa, tempo, modo, voz e aspecto. Pode haver um a antes de um verbo flexionado (Ele a encontrou no cinema), mas não será preposição, mas pronome oblíquo. O artigo não vem antes de verbos, apenas antes de substantivos.




4. Antes de pronomes, exceto os possessivos (ver o item V):


Devo a ela minha aprovação. (pessoal reto)


Glória a ti, que soubeste vencer! (pessoal oblíquo)


Não me dirijo a qualquer pessoa. (indefinido)


Dedicou a vida a essa causa. (demonstrativo)


Solicito a V.Ex.ª um despacho favorável. (tratamento)


A quem te referes? (interrogativo)




Antes desses pronomes jamais aparece artigo.




Observação:


Os pronomes de tratamento senhor, senhora, senhorita, dona e madame, admitem artigo, podendo ser encarados, para efeito de crase, como meros substantivos, diferente dos iniciados por Vossa e Sua, que são os verdadeiros pronomes de tratamento (item IV).


Antes de pronomes relativos pode haver crase (item VII).




5. Quando a palavra que vem após o a (preposição invariável) estiver no plural:


Dedicava-se a causas nobres.


Se houvesse o artigo, esse deveria concordar com “causas”, e o s apareceria.




Muita atenção para este caso: trata-se de um a (preposição simples, sem s) e de uma palavra no plural em sentido genérico (com s). Se tivéssemos escrito “Dedicava-se às causas nobres”, a construção seria diferente na forma e com sentido específico, e a solução é a do caso comum (item IV).




6. Antes do sujeito e do objeto direto:


Chegou a hora de resolver isso.


Ouvem-se, ao longe, as vozes dos animais.


Estudou as propostas votadas.


Apresentou as colegas de serviço.




Antes do sujeito, jamais haverá preposição. Antes do objeto direto, nunca haverá preposição, exceto em casos especiais, como o objeto direto preposicionado.




III - CASO EM QUE NÃO EXISTE PREPOSIÇÃO, SENDO O “A(S)” APENAS ARTIGO




- Quando, antes do a(s), houver uma preposição:


Insurgiu-se contra as autoridades.


Compareceu perante a comissão de inquérito.


Houve desavenças entre as partes.


O concerto foi marcado para as 21 horas.


As palavras contra, perante, entre e para, como já vimos, são preposições; não poderia haver outra, a preposição a, junto ao artigo.




Observação:


Até, quando significa mesmo, ainda, é palavra denotativa de inclusão; por isso, pode haver crase depois dela:


O bom leitor dá atenção até às vírgulas.
















IV - CASO COMUM DE CRASE




1. Quando é que, “sobre” a preposição, está o artigo, caracterizando a crase?


Na prática, é muito simples fazer essa verificação; basta aplicar o seguinte artifício:


Substitui-se a palavra feminina que estiver depois do a(s) por uma masculina, respeitando a estrutura da frase. Então:




a) se, no lugar do a(s), aparecer ao(s), haverá preposição e artigo; portanto, crase:


Não foi à festa das amigas.


(Não foi ao baile das amigas.)


Disse às amigas que estava resfriado.


(Disse aos amigos que estava resfriado.)




As combinações ao e aos que aparecem nos artifícios provam a existência das contrações à e às (crase) nos exemplos.




se, no lugar do a(s), aparecer o(s), não haverá preposição e, evidentemente, não haverá crase:




Vendeu a casa em que morava.


(Vendeu o prédio em que morava.)


Perdi as peças do jogo.


(Perdi os dados do jogo.)


Os artigos o e os dos artifícios provam que a e as dos exemplos não passam também de simples artigos definidos.




c) se, ao substituir-se a palavra feminina por uma masculina, permanecer, antes desta, a, isso quer dizer que ele será apenas preposição.


Escreveu o bilhete a máquina.


(Escreveu o bilhete a lápis.)


Estávamos face a face.


(Estávamos rosto a rosto.)




Observação:


Como o artifício prova, essas expressões repetidas (“cara a cara”, “boca a boca” etc.) jamais apresentam crase. Só há duas exceções: é preciso declarar guerra à guerra e é preciso dar mais vida à vida, em que não há locução adverbial, e sim objeto direto seguido de objeto indireto.




2. Outros exemplos com respectivos artifícios:


- Escreveu à mãe, pedindo a grana de que precisava.


(Escreveu ao pai, pedindo o dinheiro de que precisava.)


- Minha boa mãe, devo à senhora as maiores alegrias da vida.


(Meu bom pai, devo ao senhor os maiores prêmios da vida.)


- À esquerda, navegava um barco a vela.


(Ao lado, navegava um barco a vapor.)


- Andava às cegas à cata de amigas; por isso, só encontrou as infelizes.


(Andava aos trambolhões ao encalço de amigos; por isso, só encontrou os infelizes.)


- Bebeu toda a cerveja, mas não aplacou a sede que, às vezes, lhe invadia a alma dilacerada.


(Bebeu todo o vinho, mas não aplacou o sofrimento que, aos ensejos, lhe invadia o coração dilacerado.)




3. Às vezes, como no último exemplo, surge certa dificuldade para fazer a substituição, ou porque não se encontra uma palavra masculina que agrade, ou porque a expressão em que está o a(s) não tem similar com masculino.


No primeiro caso, basta dizer que a palavra masculina não precisa guardar qualquer relação de sentido com a palavra feminina; o que interessa manter é a construção, a mesma estrutura frasal.


Por exemplo: “Ela foi à igreja.”


O artifício poderia ser: “Ela foi ao culto.”


Mas também poderia ser: “Ela foi ao shopping”, “Ela foi ao teatro”, “Ela foi ao cinema.”




No segundo caso, ou seja, quando não há similar com masculino, a solução é familiarizar-se com tais expressões, que não são muitas.




Eis as mais freqüentes:




à baila


à gandaia


à procura de


às tontas


à beça


à grande


à regalada


às vezes


à bica


à guisa de


às apalpadelas


à superfície


à bruta


à larga


às avessas


à testa de


à busca de


à luz de


às boas


à toa


à cata de


à maneira de


às carradas


à tona


à custa de


à mão


às cegas


à traição


à disposição


à míngua


às claras


à unha


à espera de


à mercê de


às escondidas


à vela solta


à força


à mostra


às ocultas


à vista


à frente


à parte


às pressas


à vontade




4. Em duas circunstâncias, a palavra feminina a substituir está subentendida:




a) Fui à Marco Polo


Refere-se à Globo.


b) Estava vestido à indiana.




Ainda há quem escreva à Vieira.


No primeiro caso, é uma palavra de natureza genérica (“empresa”, “livraria”, “companhia”, “construtora”, “oficina”, “universidade”, “faculdade”, etc.) a que pertence o nome próprio.


Assim:


Fui à empresa Marco Pólo


Refere-se à Livraria do Globo.




O artifício provaria:


Fui ao reduto Marco Polo.


Refere-se ao livreiro do Globo.




No segundo caso, subentende-se a palavra “moda”:


Estava vestido à moda indiana.


(Estava vestido ao jeito indiano.)


Ainda há quem escreve à moda de Vieira.


(Ainda há quem escreva ao estilo de Vieira / Há quem escreva imitando Vieira.)




5. Crase antes de hora.


Caso interessante ocorre quanto à crase antes de horas, não por ser realmente um caso à parte, mas pelos inúmeros ditos e até escritos estapafúrdios que sobre isso surgem. Na realidade, não há nada de novo a acrescentar. O que foi dito até aqui vale também para esse caso. Assim, antes de horas, pode ou não haver crase, bastando aplicar os mesmos recursos:


Compareceu às 10 horas.


(Compareceu aos 10 minutos.)


À 1 hora, irá ao encontro.


(Ao 1º minuto, irá ao encontro.)


Virá daqui a uma hora.


(Virá daqui a um minuto.)


A reunião estava marcada para as 10 horas.


(“Para” é preposição. Item III).


Os bancos deveriam abrir das 10 às 16 horas.


(Os bancos deveriam abrir dos 10 aos 16 minutos.)




V - CASOS FACULTATIVOS




1. Antes dos Pronomes Possessivos


O emprego do artigo antes desses pronomes é facultativo.


Por isso, diz-se que a crase antes deles é facultativa. É, mas em certa circunstância e nada mais.


Comecemos por examinar estes exemplos:


a) Dirigiu-se humildemente a seu pai.


b) Disse não dever nada a seus irmãos.


c) Disse não dever nada a suas irmãs.




Pelas razões expostas no item II (1 e 5), em nenhuma dessas frases existe artigo, não se caracterizando, portanto, a crase. Se quisermos dispor da faculdade de usar os artigos, teremos:


a) Dirigiu-se humildemente ao seu pai.


b) Disse não dever nada aos seus irmãos.




E, obrigatoriamente:


c) Disse não dever nada às suas irmãs.




Na última frase, existe a preposição (quem deve, deve algo a alguém), e passou a existir o artigo, comprovado pelo s; portanto, existe a crase indicada. Se o pronome está no feminino plural, a crase é obrigatória quando o a está seguido de s; se não, é proibida.




Vejamos, agora, estes exemplos:


a) Por que vendeste a tua casa?


Não me interessam as tuas angústias.




Aqui, a indicação da crase nem é facultativa nem é obrigatória: é proibida, porque não há preposição, mas apenas artigos facultativamente usados. Tanto que poderíamos escrever:




a) Por que vendeste tua casa?


b) Não me interessam tuas angústias.




Examinemos, enfim, os exemplos seguintes:


a) Dirigiu-se humildemente a sua mãe.


b) Dirigiu-se humildemente à sua mãe.




Ambos estão certos, porque existe a preposição (quem se dirige, dirige-se a alguém), e o artigo é facultativo, sendo facultativa a indicação de crase.


Quando há elipse do substantivo, será obrigatória:


Referi-me à minha ideia e não à sua.




Conclusão:


Para haver crase facultativa antes de possessivo, é preciso que ele esteja no feminino singular e que haja preposição. Nos demais casos, ou existe ou não existe.




2. Antes de Antropônimos (nomes de pessoas) Femininos


Sendo o uso do artigo facultativo antes dos nomes próprios de pessoas, é facultativo o uso da crase, bastando que o nome seja feminino e que haja preposição.


a) Pediu um empréstimo a Helena.


b) Pediu um empréstimo à Helena,.




Evidentemente, sem preposição não se admite crase.


Vi a Helena no cinema.




Neste caso, o que se pode fazer é não usar o artigo, mas jamais indicar crase.


Vi Helena no cinema.


Se o nome próprio estiver qualificado, será obrigatória:


O troféu foi concedido à guerreira Helena.


Em referência a pessoas com quem não se tem intimidade, não haverá crase, a menos que o nome esteja determinado com um adjunto adnominal:


Fiz homenagem a Fátima Bernardes.


Fiz homenagem à romântica Fátima Bernardes.




O artifício de substituir por nome masculino funciona aqui da seguinte maneira: surgindo a ou ao, a crase é facultativa; aparecendo o ou nada ou se a pessoa é célebre, não existe. Se tem um adjetivo ou locução adjetiva, é obrigatória.




VI - CASO DOS TOPÔNIMOS (nomes de localidades)




Se o topônimo admite artigo feminino e houver preposição, haverá crase:


Referiu-se à França.




Mas se o topônimo não admite artigo, de forma nenhuma haverá crase:


Disse que iria a Paris.




O recurso para verificar se o nome da localidade admite ou não artigo é colocá-lo no início de uma frase qualquer, em função de sujeito.


A França possui muitos monumentos famosos.


A Bahia é a terra de Castro Alves.


Paris é centro cultural.


Santa Catarina progrediu muito.




França e Bahia admitem artigo; Paris e Santa Catarina rejeitam-no.


Observe bem que o fato de o nome da localidade admitir artigo não é a razão suficiente para a existência da crase;é imprescindível que haja também a preposição:


Percorreu a Itália de automóvel.


Fazia à Itália os maiores elogios.


Itália admite artigo (A Itália exporta gente), mas só no segundo exemplo há também a preposição.


Cumpre destacar que todo topônimo acompanhado de um elemento determinante admite artigo. Roma não admite artigo (Roma era dissoluta), porém, se colocarmos ao seu lado o determinante antiga ou dos césares etc., passará a aceitá-lo.


A Roma antiga era dissoluta.


A Roma dos césares era dissoluta.


Por conseguinte, há crase em frases como:


Referiu-se à Roma antiga.


Devemos muito à Roma dos césares.


Você pode usar a seguinte trova:


Se vou à e volto da, acento lá no a!


Se vou a e volto de, acento pra quê?


Se estiver especificado, acento vai ter!



VII - CRASE DA PREPOSIÇÃO A COM O PRONOME DEMONSTRATIVO A(S) antes DE QUE, QUEM, QUAL, QUAIS E DE

Para alguns gramáticos, esse a não é pronome demonstrativo, mas um artigo em função pronominal diante de substantivo implícito, quando se pode subentender um substantivo.




Nada parece mais difícil aos leigos do que reconhecer a crase antes do que, quem, qual, quais (pronomes) e de (preposição). Isso é, todavia, talvez mais fácil do que nos outros casos. Bastará aplicar o mesmo artifício de substituição da palavra feminina por uma masculina, com a diferença de que, nesse caso, a palavra a ser substituída estará antes do a(s) e não depois.




Exemplos:


1) A rua a que nos dirigimos é paralela à que te referes.


(O rio a que nos dirigimos é paralelo ao que te referes.)


2) A casa de Maria é semelhante à que pretendo construir.


(O lar de Maria é semelhante ao que pretendo construir.)


3) A reunião à qual não compareceste terminou cedo.


(O encontro ao qual não compareceste terminou cedo.)


4) As obras recentemente iniciadas, às quais se destinou vultosa verba, serão concluídas antes do prazo.


(Os prédios recentemente iniciados, aos quais se destinou vultosa verba, serão concluídos antes do prazo.)


5) A sabedoria de certos homens é igual à dos burros.


(O saber de certos homens é igual ao dos burros.)


Observações:


1) No caso do que, ao aplicar o artifício, é preciso tomar cuidado para não substituí-lo por qual ou quais, pois isso dará solução errada.


Esta é a obra a que me dedico.


Artifício certo: Este é o livro a que me dedico.


Artifício errado: Este é o livro ao qual me dedico.


2) O de pode estar combinado com outras classes, o que em nada altera a regra.


Minha opinião é oposta à daqueles que fazem a guerra.


(Meu parecer é oposto ao daqueles que fazem a guerra.)


3) Antes de quem, que entrou aqui por uma questão didática, nunca aparece crase.


Esta é a moça a quem dedicou seus poemas.


(Este é o povo a quem dedicou seus poemas.)




VIII - CRASE DA PREPOSIÇÃO A COM O A INICIAL DE AQUELE(S), AQUELA(S), AQUILO.




O pronome demonstrativo aquele e suas variantes pode contrair-se com a preposição :


a + aquele(s) = àquele(s)


a + aquela(s) = àquela(s)


a + aquilo = àquilo.




Como verificar a existência dessa preposição nas frases?




É só substituir aquele(s), aquela(s) ou aquilo por esse(s), essa(s) ou  isso. Se, na substituição, aparecer um a, será a preposição, comprovando a existência da crase.




O que dizer àqueles que não escutam?


(O que dizer a esses que não escutam?)


Àquela que vencer daremos uma viagem.


(A essa que vencer daremos uma viagem.)


Referiu-se àquilo como coisa certa.


(Referiu-se a isso como coisa certa.)




Se nada aparecer antes de este(s), esta(s) ou isto, não haverá crase “sobre” aquele(s) , aquela(s) ou aquilo.




Percorria aqueles caminhos com desenvoltura.


(Percorria esses caminhos com desenvoltura.)


Eram muito tristes aquelas cenas da guerra.


(Eram muito tristes essas cenas de guerra.)


Aquilo não era coisa que se fizesse.


(Isso não era coisa que se fizesse.)

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