Erro que não é erro 1: Através com sentido de “por meio de”
Quem me acompanha por aqui talvez se lembre de que já abordei esta questão no texto É errado escrever ATRAVÉS?, no qual explico com mais profundidade o assunto.
Em resumo, esse uso de “através” com sentido de “por meio de” gera debate entre gramáticos. Um lado defende o sentido estrito, com relação a atravessar fisicamente, como a luz através da janela, enquanto mestres do porte de Carlos Nougué aceitam o uso com sentido figurativo de “por meio de”.
“Nesta última acepção, [através] é impugnado por puristas, mas sem razão: é de largo uso entre os melhores escritores.” Carlos Nougué, no curso Para Bem Escrever na Língua Portuguesa.
Eu particularmente, se há precedentes entre gramáticos de renome e no dicionário, não posso julgar isto um erro.
Erro que não é erro 2: Adéqua ou adequa
Enquanto escrevo, o processador de texto assinala com o temido sublinhado vermelho que “adequa” está errado. No seu caso, talvez o programa troque automaticamente para “adéqua”.
A primeira questão desta polêmica é com relação ao verbo “adequar” ser defectivo ou não. Para refrescar a memória, verbos defectivos são aqueles que apresentam conjugação incompleta, como “falir”, já que “eu falo” é do verbo falar.
O Aurélio considera defectivo, conjugado apenas nas formas arrizotônicas - aquelas em que a sílaba tônica recai na desinência: adequamos, adequais (presente do indicativo), adequemos, adequeis (presente do subjuntivo), adequemos, adequai (imperativo afirmativo), não adequemos, não adequeis (imperativo negativo). Nos outros tempos, tem conjugação regular, como cantar. O Houaiss aceita a conjugação nas formas rizotônicas - aquelas em que a sílaba tônica recai no radical: adéquo, adéquas, adéqua, adéquam - presente do indicativo, adéque, adéques, adéque, adéquem - presente do subjuntivo, adéqua, adéque, adéquem - imperativo afirmativo, não adéques, não adéque, não adequem - imperativo negativo.
Ao mesmo tempo em que fontes e mais fontes apontam na direção da defectividade, outras tantas dizem que “adequar” conjuga-se de cabo a rabo. Essa vertente é defendida pelo Houaiss, pelo Priberam, pela Infopédia, pelo Língua Brasil e por tantas outras referências. De novo, há precedente, não posso julgar um erro.
E então, leva acento ou não?
Ambas as formas, “adéqua” e “adequa”, são válidas em português e a única diferença entre elas está na pronúncia. O site Língua Brasil aponta a tendência maior de uso da primeira opção no Brasil, enquanto a segunda é preferida em Portugal. De qualquer forma, as duas estão corretas.
Erro que não é erro 3: Desapercebido ou despercebido
Basta olharmos o dicionário para saber qual opção é a correta, vamos lá?
E ainda vai mais longe ao dizer:
“Embora condenado por puristas, o uso de desapercebido (part. de desaperceber, de des- + aperceber, ‘aparelhar’) como sinônimo de despercebido (part. de desperceber, de des- + perceber, ‘notar’), na acp. 1, é observado em vários autores de grande expressão, como Castilho etc.”
O que temos aí é um pequeno furdunço, visto que as duas palavras podem tanto ter sentidos diferentes ou quanto serem sinônimas. Sites como o Só Português, o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa e mesmo a Infopédia orientam à diferença de significados:
“Ambos os vocábulos (‘desapercebido’ e ‘despercebido’) existem, mas não são sinónimos. De facto, ‘desapercebido’ significa ‘desprevenido’, enquanto ‘despercebido’ tem o sentido de ‘não notado’.” Maria Leonor Santa Bárbara, em Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
Essa diferença relativa é percebida na Infopédia. Neste dicionário, “desapercebido” significa “desprevenido; desacautelado”, enquanto “despercebido” refere-se a “1. que não se viu ou ouviu; 2. sem ser notado; 3. a que não se prestou atenção, ignorado”. Mas se voltarmos às origens de cada palavra (des+aperceber e des+perceber), as coisas misturam-se novamente.
Aperceber (verbo pronominal)
1. dar conta de; notar
Perceber (verbo transitivo e intransitivo)
1. ter a perceção (de algo), por meio dos sentidos ou da intuição; distinguir, notar
Notou que ambas as palavras carregam o sentido de “notar” e só uma o de “dar conta”? Essa é talvez a única lição que podemos tirar dessa mistura: “desapercebido” e “despercebido” podem ser usadas indistintamente quando se referem a algo não notado, mas só “desapercebido” serve quando expressa o desprevenido.
Erro que não é erro 4: Ensino a distância ou ensino à distância
Eu mesmo já segui por muito tempo a regra clássica de que se a distância é conhecida, faz-se a crase, e quando for desconhecida não há acento grave. É assim que o Ministério da Educação escreve Ensino Superior a Distância, sem crase, e é assim que redatores e redatoras se perdem sem saber qual é a melhor forma da locução.
Apesar de cairmos outra vez no campo do debate entre visões opostas, saiba que há quem defenda o uso de “à distância” na maioria dos casos. Sim, inclusive no “ensino à distância”. Essa forma traz grandes vantagens:
Simplifica a regra;
Elimina ambiguidades, como em “amei a distância”: eu amei a distância ou amei alguém longe?;
Segue o padrão de outras locuções com substantivos também ambíguos, a exemplo de “cobrar à vista”.
Nesse caso, recomendo a crase exceto se já houver uma regra editorial que preveja o contrário. Pessoalmente, sigo a orientação do Houaiss para escrever “à distância” com crase “quando a sua falta comprometer de algum modo a clareza da frase”.
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