O mundo acabará na sexta? Alguns juram que sim. Outros bancam o São Tomé. Querem ver para crer. Pelo sim, pelo não, o assunto mereceu considerações de gente que sabe das coisas. Mário Quintana escreveu em tempos idos e vividos: “Cinco minutos depois que todas as nações decretaram mobilização geral, houve a imobilização total”. Luís Fernando Veríssimo relaxa e goza: “Não precisa fechar a casa. O risco de pilhagem depois do fim do mundo é mínimo”. Nós nos preocupamos com pormenores capazes de nos garantir lugarzinho jeitoso na casa do Senhor. São sete dicas.
Uma: a ida
Na partida, o verbo ir entra em cartaz. Cuidado com a regência. Há duas preposições-chave. Elas dão recados diferentes. Ir para é adeus para sempre. Ir a, é até já. Ora, até prova em contrário, quem morre não volta. Fica. Daí a importância de dizer “vou para o céu”. Se algum descuidado soltar o “vou ao céu”, enfrentará numa encrenca. Com o fim dos tempos, voltar para onde? Olho vivo!
Duas: a chegada
A preposição, outra vez, pede atenção plena. Deus tem ouvidos pra lá de delicados. Ao menor ruído, otites os ameaçam. Dor de ouvido, dizem os otorrinos e as vítimas do mal, é tão intensa quanto a de parto. Assim, para conquistar as graças do Senhor, dê uma espiadinha no dicionário de regência. Ele diz que chegamos a algum lugar. Chegue, pois, ao céu e seja recebido com banda de música e tapete vermelho.
Três: a adaptação
Ninguém duvida de que a casa do Senhor é diferente da nossa. Impõe-se, pois, adaptar-se. Ao lhe ser apresentada a nova morada, cuidado com a língua. Se você disser “eu me adéquo”, prepare-se para despencar até o reino do capeta. Ainda que um dicionário considere conjugado em todas as formas, adequar só se conjuga nas formas em que a sílaba tônica cai a partir do q (adequar, adequamos, adequaremos, adequará, adequou, adequava, adequei, adequasse). “É melhor prevenir que remediar”, diz o povo sabido. Como a voz do povo é a voz de Deus, siga o conselho. Em vez de adequar, use adaptar. Aí, não há risco.
Quatro: a permanência
Por que o céu é bom? Dizem que lá cada um encontra a sua turma. Álvaro Moreira escreveu a respeito: “Quando eu morrer, com certeza vou pro céu. O céu é uma cidade de férias, férias boas que não acabam mais. Assim que eu chegar, pergunto onde mora lá minha gente que foi na frente. Dou beijos, dou abraços. Converso. Conto coisas do mundo. Saudades. — E depois? — Depois eu quero ir à casa de São Francisco de Assis, para ficar amigo dele, amigo de verdade, sem segredos, sem falar mal um do outro, amigo de todos os dias, amigo mesmo, tão amigo, tão íntimo, que ele há de me chamar: Alvinho! e eu hei de lhe chamar: Chiquinho!” Ao procurar sua galera, lembre-se. Procurar é verbo transitivo direto. Exige o pronome átono a (o): Procure a galera. (Procure-a.) Procuro os amigos. (Procuro-os.)
Cinco: a obrigação
Oba! No céu, pode-se tudo. Pode-se, até, ficar por conta do nada — sem lenço, sem documento e sem compromisso. A língua, rica, qualifica a criatura que opta pelo ócio. Diz que ela é pessoa à toa. Antes, à toa tinha hífen. A reforma ortográfica cassou o tracinho. A eternidade lhe diz amém.
Seis: a clareza
Não abuse da generosidade de Deus. Seja claro ao se referir a Ele. O conselho não é capricho destes tempos que batem ponto final. Montaigne, há meio milênio, repetia e repetia: “O estilo tem três virtudes — clareza, concisão e correção gramatical). Para fazer jus à companhia do Senhor, não deixe dúvida ao construir frase com a palavra Deus. Evite que o objeto direto se confunda com o sujeito, especialmente nos enunciados construídos na ordem inversa. Abel matou Caim. Quem matou quem? Ops! A frase poderia estar na ordem inversa: Caim matou Abel. Como evitar a ambiguidade? Uma regra diz que o sujeito nunca pode ser preposicionado. Basta, pois, antecipar o mandachuva da preposição. Aí fica claro quem é quem: Caim matou a Abel. Judas traiu a Cristo. Pedro ama a Deus.
Sete: a civilidade
Educação é bom e Deus aprecia. Ao receber um favor, ele diz obrigado. Ela, obrigada. Ambos respondem por nada.
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