O ano acabará na terça. Nada mal. Começa tudo de novo. Drummond escreveu sobre a magia da virada do calendário: “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. / Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. / Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. / Aí, entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número / e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente”. Será? Pelo sim, pelo não, a coluna oferece dicas capazes de nos garantir um 2014 pra lá de jeitoso na escola, no trabalho, na vida.
Uma: a ida
Nas idas e vindas, o verbo ir entra em cartaz. Cuidado com a regência. Há duas preposições-chave. Elas dão recados diferentes. Ir para é adeus para sempre. Ir a, é até já. Ora, até prova em contrário, quem vai dar uma voltinha por aí volta. Daí a importância de dizer vou a Maceió, vou ao Rio, vou à fazenda, vou à praia. Se algum descuidado soltar o “vou pra Paris”, por exemplo, enfrentará uma encrenca. Com que cara ficará ao voltar dali a pouco?
Duas: a chegada
A preposição, outra vez, pede atenção plena. Deus tem ouvidos pra lá de delicados. Ao menor ruído, otites os ameaçam. Dor de ouvido, dizem os otorrinos e as vítimas do mal, é tão intensa quanto a de parto. Assim, para conquistar as graças do Senhor, dê uma espiadinha no dicionário de regência. Ele diz que chegamos a algum lugar. Chegue, pois, a Maceió, ao Rio, à fazenda, à praia, a Paris e seja recebido com banda de música e tapete vermelho.
Três: a adaptação
Ninguém duvida de que o hotel e a casa dos outros são diferentes da casa da gente. Impõe-se, pois, adaptar-se. Ao lhe ser apresentada a nova morada, cuidado com a língua. Se você disser “eu me adéquo”, prepare-se para despencar até o reino do capeta. Adequar só se conjuga nas formas em que a sílaba tônica cai a partir do q (adequar, adequamos, adequaremos, adequará). “É melhor prevenir que remediar”, diz o povo sabido. Como a voz do povo é a voz de Deus, siga o conselho. Em vez de adequar, use adaptar. Aí, não há risco.
Quatro: a permanência
Por que o céu é bom? Dizem que lá cada um encontra a sua turma. Álvaro Moreira escreveu a respeito: “Quando eu morrer, com certeza vou pro céu. O céu é uma cidade de férias, férias boas que não acabam mais. Assim que eu chegar, pergunto onde mora lá minha gente que foi na frente. Dou beijos, dou abraços. Converso. Conto coisas do mundo. Saudades. — E depois? — Depois eu quero ir à casa de São Francisco de Assis, para ficar amigo dele, amigo de verdade, sem segredos, sem falar mal um do outro, amigo de todos os dias, amigo mesmo, tão amigo, tão íntimo, que ele há de me chamar: Alvinho! e eu hei de lhe chamar: Chiquinho!” Ao procurar sua galera, lembre-se. Procurar é verbo transitivo direto. Exige o pronome átono a (o): Procure a galera. (Procure-a.) Procuro os amigos. (Procuro-os.) Não use lhe, porque ele só se usa com objeto indireto.
Cinco: a obrigação
Oba! Nas férias, pode-se tudo. Pode-se, até, ficar por conta do nada — sem lenço, sem documento e sem compromisso. A língua, rica, qualifica a criatura que opta pelo ócio. Diz que ela é pessoa à toa. Antes, à toa tinha hífen. A reforma ortográfica cassou o tracinho. Amém.
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