Quando cheguei a João Pessoa, com 14 anos, em 1971, as duas coisas que mais me chamaram a atenção foram as cigarras de Jaguaribe, no caminho para o colégio estadual do mesmo nome, e o uso da interjeição “Varei”!
O que seria “varei!”? Não demorou para que eu percebesse que a expressão equivalia ao “Mas passe o pano!”, do povo de Patos.
Nunca mais ouvi o “Varei!”. Lembrei-me dele esta semana. Uma das coisas de que não sei é de onde se origina, etimologicamente, tal expressão. Por mais que pesquise, não consigo encontrar.
Intrigante é que o “varei” tem uma variante: “vaqueiro”; sabe-se lá por quê.
Diante disso, resolvi, então, falar sobre algumas expressões populares; a maioria delas corruptelas da língua-padrão. E mais que isso: da linguagem dita culta. Vamos lá:
1.OXENTE
Uma das expressões mais belas que conheço. Bem nordestina. Oxente realmente vem de “oh, gente!”; mas tomou uma independência tão grande, que hoje é outro vocábulo, com outro significado. Oxente é interjeição de repulsa:
“Oxente, home; tu tá ficando doido, é?”
Tem o mesmo sentido do uai do mineiro e do bah do gaúcho.
2. VAREI
Interjeição de admiração e, ao mesmo tempo, ironia e reprovação. Equivale ao “Mas passe o pano!” da cidade de Patos:
“Varei! Eu num disse isso não!…” (substitua por “Mas passe o pano!”, que o sentido é o mesmo).
3.VAI DE RÉ, SATANÁS!…
Muito usada em Piancó. É uma alteração fonética do latim: “Vade retro, Satanás!”
4. PRUMODE (MODE)
Certamente, veio das expressões “de modo a” e “a fim de”, que o matuto abreviou para “prumode” (variação: mode), que é muito mais fácil de pronunciar.
“Não vou lá prumode (ou mode) ela me expulsou da casa dela um dia” (termina equivalendo a porque).
5.TRUVO
Saudade de Zé Doca (MA). Eu, no alpendre da fazenda Tambaú, às margens da BR – 316, e conversando “brebote” (besteira) com meu cunhado Francisco Jerônimo, dono das terras. Eu era nada mais que um menino e me intrigava quando os moradores diziam:
-Tá ficando truvo, seu Chico!
Nunca perguntei a ninguém; não sou de perguntar. Quando não sei uma coisa, vou pesquisar. Truvo, nada mais é do que a corruptela de turvo (escuro). Quer dizer: o matuto usa os termos cultos; apenas subverte-os, pela corruptela da língua. Naquela parte do Maranhão, quando está escurecendo, diz-se: “tá ficando truvo…”.
6.CAGADO E CUSPIDO
A expressão é uma alteração fonética de esculpido e encarnado:
“Ele é o irmão cagado e cuspido.”
Em outras palavras, a escultura reproduz uma figura qualquer. 'Encarnado' nesse caso não significa 'vermelho', mas sim que se encarnou.
7.PINOTAR = PULAR
Numa calçada de um dos colégios da capital, observo um pai dizer ao filho pequeno, que estava pulando em excesso, com sinal de revolta:
– Vá, pinote; pinote mais, que eu quero ver!…
A linguagem popular às vezes muda até as classes das palavras. As gramáticas e os dicionários trazem o advérbio “certamente” como “com certeza, sem dúvida, evidentemente”. Não é só isso. Hoje em dia, quando se diz certamente (graças à força da linguagem popular) também está expressando uma dúvida:
“Certamente ele virá hoje; não sei.” (tornou-se sinônimo de talvez)
E concluímos nossa análise com versos de Manuel Bandeira:
“- Capiberibe
– Capibaribe
– Capiberibe
– Capibaribe
Língua errada do povo,
Língua certa do povo.
Porque nós o que fazemos
É macaquear a Sintaxe lusíada.”.
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