quinta-feira, 29 de junho de 2023

Coluna do professor Trindade - linguagem oral popular

 Quando cheguei a João Pessoa, com 14 anos, em 1971, as duas coisas que mais me chamaram a atenção foram as cigarras de Jaguaribe, no caminho para o colégio estadual do mesmo nome, e o uso da interjeição “Varei”!


O que seria “varei!”? Não demorou para que eu percebesse que a expressão equivalia ao “Mas passe o pano!”, do povo de Patos.


Nunca mais ouvi o “Varei!”. Lembrei-me dele esta semana. Uma das coisas de que não sei é de onde se origina, etimologicamente, tal expressão. Por mais que pesquise, não consigo encontrar.


Intrigante é que o “varei” tem uma variante: “vaqueiro”; sabe-se lá por quê.


Diante disso, resolvi, então, falar sobre algumas expressões populares; a maioria delas corruptelas da língua-padrão. E mais que isso: da linguagem dita culta. Vamos lá:


1.OXENTE


Uma das expressões mais belas que conheço. Bem nordestina. Oxente realmente vem de “oh, gente!”; mas tomou uma independência tão grande, que hoje é outro vocábulo, com outro significado. Oxente é interjeição de repulsa:


“Oxente, home; tu tá ficando doido, é?”

Tem o mesmo sentido do uai do mineiro e do bah do gaúcho.


2. VAREI


Interjeição de admiração e, ao mesmo tempo, ironia e reprovação. Equivale ao “Mas passe o pano!” da cidade de Patos:


“Varei! Eu num disse isso não!…” (substitua por “Mas passe o pano!”, que o sentido é o mesmo).


3.VAI DE RÉ, SATANÁS!…


Muito usada em Piancó. É uma alteração fonética do latim: “Vade retro, Satanás!”


4. PRUMODE (MODE)


Certamente, veio das expressões “de modo a” e “a fim de”, que o matuto abreviou para “prumode” (variação: mode), que é muito mais fácil de pronunciar.


“Não vou lá prumode (ou mode) ela me expulsou da casa dela um dia” (termina equivalendo a porque).


5.TRUVO


Saudade de Zé Doca (MA). Eu, no alpendre da fazenda Tambaú, às margens da BR – 316, e conversando “brebote” (besteira) com meu cunhado Francisco Jerônimo, dono das terras. Eu era nada mais que um menino e me intrigava quando os moradores diziam:


-Tá ficando truvo, seu Chico!


Nunca perguntei a ninguém; não sou de perguntar. Quando não sei uma coisa, vou pesquisar. Truvo, nada mais é do que a corruptela de turvo (escuro). Quer dizer: o matuto usa os termos cultos; apenas subverte-os, pela corruptela da língua. Naquela parte do Maranhão, quando está escurecendo, diz-se: “tá ficando truvo…”.


6.CAGADO E CUSPIDO


A expressão é uma alteração fonética de esculpido e encarnado:


“Ele é o irmão cagado e cuspido.”


Em outras palavras, a escultura reproduz uma figura qualquer. 'Encarnado' nesse caso não significa 'vermelho', mas sim que se encarnou.


7.PINOTAR = PULAR


Numa calçada de um dos colégios da capital, observo um pai dizer ao filho pequeno, que estava pulando em excesso, com sinal de revolta:


– Vá, pinote; pinote mais, que eu quero ver!…


A linguagem popular às vezes muda até as classes das palavras. As gramáticas e os dicionários trazem o advérbio “certamente” como “com certeza, sem dúvida, evidentemente”. Não é só isso. Hoje em dia, quando se diz certamente (graças à força da linguagem popular) também está expressando uma dúvida:


“Certamente ele virá hoje; não sei.” (tornou-se sinônimo de talvez)


E concluímos nossa análise com versos de Manuel Bandeira:


“- Capiberibe


– Capibaribe


– Capiberibe


– Capibaribe


Língua errada do povo,


Língua certa do povo.


Porque nós o que fazemos


É macaquear a Sintaxe lusíada.”.

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